segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A EUROPA, PORTUGAL E O REI

Perdido o império em condições que importa enfatizar - entregue o governo dos novos países aos partidos que, por terem conduzido uma guerra contra a soberania portuguesa, eram hostis aos portugueses e à sua herança colonizadora, ainda que tacticamente simpáticos com o poder descolonizador – para sublinhar a quase impossibilidade de Portugal converter a sua estratégia nacional na criação de um espaço lusófono e reduzido o país à sua dimensão europeia, entenderam as forças políticas democráticas que, quer em termos de projecto nacional quer em termos de preservação das instituições democráticas ainda frágeis, estava na Europa da CEE o desígnio português, porque espaço económico fundamental ao desenvolvimento e porque embrião do espaço político onde preponderavam os princípios que subscreviam. Os portugueses nunca foram consultados sobre o novo desígnio nacional, a não ser na votação nos partidos maioritários que inscreveram nos seus programas e manifestos eleitorais a sua política pró-europeia, e que a maioria dos eleitores não leu. Mas aceitaram-no tacitamente.
A construção europeia foi-se fazendo nas instituições da Comunidade e tomadas decisões que cada vez mais foram retirando soberania.Com os tratados de Maastricht e de Nice, firmou-se a União Europeia e decidiu-se a Moeda Única Europeia. Os portugueses continuaram a não ser esclarecidos devidamente e ouvidos expressamente, ficando as decisões a cargo da democracia representativa, escudada, como anteriormente, num preceito constitucional que proíbe o referendo dos tratados internacionais.

Em mais um passo para o aprofundamento do espaço europeu, agora alargado a novos países, as instituições comunitárias decidiram fazer um novo tratado de cariz constitucional, que para além de englobar e simplificar os anteriores tratados, altera substancialmente os equilíbrios de decisão e cria novos órgãos e funções de coordenação política, retirando novas fatias – embora aparentemente pequenas – de soberania nacional. Os partidos maioritários da democracia e as instituições do Estado preparam-se, embora afirmem o contrário, para não pedirem o voto expresso dos portugueses, com hipócritas artimanhas políticas. A verdade, porém, nua e crua, é que os portugueses não sabem o que está em discussão – a julgar pela impressionante, ignorante e contraditória resposta a uma sondagem europeia que o DN de 11 de Novembro publicou – e que os partidos políticos e instituições do Estado, parecem não ter interesse em esclarecer, pelo barulho ensurdecedor que, sobre esta questão, ouvimos.

Estou certo, porém, de que com referendo ou sem ele, mesmo com esclarecimento público atempado e claro, a maioria quer pertencer à Europa – absorveu bem a mensagem europeísta dos sucessivos governos democráticos – dando de mão beijada as perdas de soberania (talvez por pensar, com alguma sabedoria, que exercida por outrém sê-lo-á melhor do que pelos que nos governam?).

Resta-nos, para não desaparecermos progressivamente, a defesa da identidade nacional que, até essa, tende a desaparecer , engolida pela Europa e, sobretudo, por onde se inicia a nossa integração, a Espanha, país contíguo e porta da Europa , maior e mais poderoso em termos económicos e políticos, com uma estratégia nacional que vai muito para além da Europa comunitária. A Espanha democrática e das regiões autónomas diferentes e com identidade própria, na língua, na história e na cultura, para quem o Rei – e nisso a descomplexada e inteligente esquerda espanhola teve o excepcional mérito de entender, ao apoiar uma monarquia como forma do Estado – é um garante da unidade acima da diversidade e das autonomias, um pólo de atracção inelutável que vai muito para além do seu espaço geográfico e se estende para o espaço linguístico, histórico e cultural.

Portugal, sem estratégia nacional – veja-se, em contra-ponto, a timidez, senão a quase inexistência de uma verdadeira estratégia para a lusofonia, para além do formalismo de instituições vagas, vazias e ineficazes – sem outros horizontes para além dos europeus, complexado perante a pujança do seu vizinho, choramingas por ele fazer aquilo que não consegue (sem esquecer as tristes afirmações feitas recentemente em Espanha pelo Dr. Jorge Sampaio), tende a vir a ser, com o aprofundamento da política europeia, mais uma região peninsular, com governo próprio, como a Catalunha ou a Galiza, com Presidente e até “independência” formal.

Na preservação da identidade nacional, ainda possível e desejável, para além da língua, da cultura e da História, é fundamental que os símbolos da Nação portuguesa estejam vivos e sejam actuantes. Dentre eles quem encarna a Nação de mais de oitocentos anos, que terá de ser um pólo irradiador de confiança e vontade dos portugueses – o Rei.
João Mattos e Silva * (Nov-2003)
* Nota: o texto publicado é da exclusiva responsabilidade do autor.
Texto publicado no Diário Digital a 14-Nov-2003
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